Crônicas do pós-vida
Numa dessas noites perfeitamente
normais, Júlio se deitou. Quando acordou, olhou para baixo e não tardou a constatar
o óbvio: estava morto. Comicamente morto, de olhos arregalados e língua para
fora, como nos desenhos, mas aquilo lhe trazia certo alívio – havia chegado
tarde em casa e a megera de sua mulher certamente seria, pela manhã, tão intragável
quanto as doses do caro whisky que havia se forçado a tomar, de modo que a sua
morte era verdadeiro livramento.
O motivo da morte não importava
muito. O que importava mesmo era que lá estava ele, pairando no ar, assistindo
aos corpos deitados na cama, ouvindo os gatos miando em orgias nos telhados, enquanto
toda a casa fazia silêncio para o som da corrente elétrica passando pelos fios
de energia num zumbido constante e acolhedor que parecia desaguar com leveza nos
motores da geladeira.
E tudo aquilo lhe fazia pensar
em aviões.
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