You better not mess with Major Tom
Talvez este seja um blog de crônicas. Ou talvez eu deva parar de ler crônicas científicas.
Em "O Livro dos Bichos", o jornalista Roberto Kaz narra, com incomparável destreza, histórias envolvendo animais, tema que normalmente não me interessam tanto, salvo se fictícias. Não fosse o estilo e incomparável domínio da língua do autor, a história do touro Fajardo, grande e torturado campeão de produção de sêmen que morreu virgem, passaria completamente batida por mim. Mas este post não é sobre isso: escrevo para falar do espaço.
Sinto que deveria ter inaugurado este blog mencionando o seu nome, mas sou perdidamente apaixonado por David Bowie. Sua obra é incontrastável e, para mim, toda a cultura popular caminhava em seu sentido, no sentido da produção do ícone que Bowie se tornou, de modo que é como ele mesmo representasse o sistema cultural mundial entrando em combustão interna e se transformando de novo... em cinzas. É claro que estou exagerando, mas o exagero é companheiro fiel da paixão - e aí estão os stalkers para não me deixar mentir.
Outro artista por quem nutro enorme fascínio é Elton John, cuja carreira deixou fortes marcas em toda a minha vida, desde a minha infância, quando meu pai passava o que hoje parecem ser dias escutando "Skyline Pigeon", passando por minha adolescência, quando comecei a acompanhar melhor os seus discos, até hoje, quando descobri uma curiosa relação entre os tópicos mencionados nos três parágrafos anteriores.
A relação entre os dois últimos é óbvia: "Space Oddity", de David Bowie (1969), e "Rocket Man", de Elton John e Bernie Taupin (1972), são duas narrativas musicais melancólicas que marcaram a corrida espacial e permanecem até hoje como um importante marco cultural, inspirando gerações e embalando noites de sexo, sono e solidão.
Além disso, os próprios cosmonautas (Major Tom, no caso de Space Oddity, e Rocket Man, no caso de Rocket Man - a eufonia às vezes exige alguma repetição) compartilham uma característica: a indizível dor de estar longe de casa e de quem amam. Assim, pouco antes do clímax de Space Oddity ouvimos Major Tom diz estar voando de forma muito peculiar e que as estrelas parecem muito diferentes, concluindo o lamento com dois versos cortantes: o Planeta Terra é azul, e não há nada que eu possa fazer. Na seção correspondente em Rocket Man, o eu-lírico se lamenta: eu sinto tanta falta da Terra, sinto falta de minha família... Há tanta solidão no espaço, nesse voo sem fim.
Deixando de lado as comparações e a óbvia artificialidade da canção de Elton, o que apenas a desmerece diante da naturalidade ímpar de Bowie, é aí que entra a relação entre as canções e O Livro dos Bichos, que também narra a história de um grupo de camundongos enviados pela Rússia para uma missão espacial. Spoiler alert: todos os cerca de cinquenta bichinhos morrem, antes ou depois de encerrada a missão.
Um dos camundongos foi apelidado pelos cientistas de Major Tom. Após testes rigorosíssimos, Major Tom revelou-se apto a embarcar na trágica aventura, mas após voltar para casa terminou sendo decaptado. Seu corpo foi dissecado a fim de se descobrir os efeitos da viagem em seu cérebro - camundongos e humanos têm estruturas genéticas idênticas, de modo que estes estudos poderiam favorecer futuras viagens tripuladas por seres humanos.
Os capítulos de O Livro dos Bichos oscilam entre a narrativa científica e a crônica (irei indicá-lo para todos como uma crônica científica, esperando que não tenham dado outro nome para a categoria), o que ajuda leitores ansiosos e dinâmicos, como eu, a pensar que estão lendo textos inteiramente diferentes - pelo menos até o ciclo recomeçar. Numa dessas oscilações, pouco antes de encerrar a narrativa de Major Tom, o camundongo astronauta, o autor apresenta um interessante (porque então desconhecido para mim) panorama das viagens espaciais:
Em "O Livro dos Bichos", o jornalista Roberto Kaz narra, com incomparável destreza, histórias envolvendo animais, tema que normalmente não me interessam tanto, salvo se fictícias. Não fosse o estilo e incomparável domínio da língua do autor, a história do touro Fajardo, grande e torturado campeão de produção de sêmen que morreu virgem, passaria completamente batida por mim. Mas este post não é sobre isso: escrevo para falar do espaço.
Sinto que deveria ter inaugurado este blog mencionando o seu nome, mas sou perdidamente apaixonado por David Bowie. Sua obra é incontrastável e, para mim, toda a cultura popular caminhava em seu sentido, no sentido da produção do ícone que Bowie se tornou, de modo que é como ele mesmo representasse o sistema cultural mundial entrando em combustão interna e se transformando de novo... em cinzas. É claro que estou exagerando, mas o exagero é companheiro fiel da paixão - e aí estão os stalkers para não me deixar mentir.
Outro artista por quem nutro enorme fascínio é Elton John, cuja carreira deixou fortes marcas em toda a minha vida, desde a minha infância, quando meu pai passava o que hoje parecem ser dias escutando "Skyline Pigeon", passando por minha adolescência, quando comecei a acompanhar melhor os seus discos, até hoje, quando descobri uma curiosa relação entre os tópicos mencionados nos três parágrafos anteriores.
A relação entre os dois últimos é óbvia: "Space Oddity", de David Bowie (1969), e "Rocket Man", de Elton John e Bernie Taupin (1972), são duas narrativas musicais melancólicas que marcaram a corrida espacial e permanecem até hoje como um importante marco cultural, inspirando gerações e embalando noites de sexo, sono e solidão.
Além disso, os próprios cosmonautas (Major Tom, no caso de Space Oddity, e Rocket Man, no caso de Rocket Man - a eufonia às vezes exige alguma repetição) compartilham uma característica: a indizível dor de estar longe de casa e de quem amam. Assim, pouco antes do clímax de Space Oddity ouvimos Major Tom diz estar voando de forma muito peculiar e que as estrelas parecem muito diferentes, concluindo o lamento com dois versos cortantes: o Planeta Terra é azul, e não há nada que eu possa fazer. Na seção correspondente em Rocket Man, o eu-lírico se lamenta: eu sinto tanta falta da Terra, sinto falta de minha família... Há tanta solidão no espaço, nesse voo sem fim.
Deixando de lado as comparações e a óbvia artificialidade da canção de Elton, o que apenas a desmerece diante da naturalidade ímpar de Bowie, é aí que entra a relação entre as canções e O Livro dos Bichos, que também narra a história de um grupo de camundongos enviados pela Rússia para uma missão espacial. Spoiler alert: todos os cerca de cinquenta bichinhos morrem, antes ou depois de encerrada a missão.
Um dos camundongos foi apelidado pelos cientistas de Major Tom. Após testes rigorosíssimos, Major Tom revelou-se apto a embarcar na trágica aventura, mas após voltar para casa terminou sendo decaptado. Seu corpo foi dissecado a fim de se descobrir os efeitos da viagem em seu cérebro - camundongos e humanos têm estruturas genéticas idênticas, de modo que estes estudos poderiam favorecer futuras viagens tripuladas por seres humanos.
Os capítulos de O Livro dos Bichos oscilam entre a narrativa científica e a crônica (irei indicá-lo para todos como uma crônica científica, esperando que não tenham dado outro nome para a categoria), o que ajuda leitores ansiosos e dinâmicos, como eu, a pensar que estão lendo textos inteiramente diferentes - pelo menos até o ciclo recomeçar. Numa dessas oscilações, pouco antes de encerrar a narrativa de Major Tom, o camundongo astronauta, o autor apresenta um interessante (porque então desconhecido para mim) panorama das viagens espaciais:
Num estudo publicado em 2014, Naumenko [Vladimir Naumenko, pesquisador do Instituto Russo de Citologia e Genética] concluiu que o voo espacial diminuiu a expressão de genes importantes envolvida na síntese da dopamina". A redução, além de enfraquecer a musculatura, pode provocar doenças como Parkinson, Alzheimer, esquizofrenia e depressão. [...] Humanos, numa hipotética viagem a Marte, provavelmente tomarão antidepressivos para que o nível de dopamina permaneça controlado.
Mal havia terminado de ler o parágrafo e senti a necessidade de compartilhar com vocês, meu público anônimo e invisível (e inexistente), esta curiosa relação entre duas de minhas músicas favoritas e um livro que só recentemente comecei a ler. No final das contas, nossos astronautas não são meros poetas solitários abandonados no espaço, mas seres humanos sob efeito de uma viagem espacial. Ser artista é ser sensível até à ciência.
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