Uma breve crônica do pós-vida - Revisita 01
Numa dessas noites perfeitamente normais, Júlio se deitou.
No dia seguinte, provavelmente nada ou quase nada mudaria em sua rotina, mas qual foi sua surpresa ao acordar, olhar para baixo e constatar, atônito, o óbvio: estava morto.
Comicamente morto, de olhos arregalados e língua para fora, como nos desenhos - assim se encontrava nosso late Julius; malgrado a surpresa, porém, dirigiu os olhos um pouco mais à esquerda e logo passou a se sentir aliviado.
A megera de sua mulher certamente seria, pela manhã, tão intragável quanto as doses do caríssimo whisky que irresponsavelmente havia comprado e se forçado a beber.
Sua morte, então, converteu-se em livramento. Quão bom e misericordioso havia sido Deus!
Nota do Autor: O motivo do falecimento não nos importa muito. O que importa mesmo é que lá estava ele, pairando no ar, energia pura, assistindo aos corpos deitados na cama, ouvindo do telhado os gatos miando em agressivas orgias, enquanto toda a casa parecia ter se silenciado apenas para que se ouvisse mais alto o insuportável som da corrente elétrica transitando pelos fios de energia, num zumbido constante e acolhedor que desaguava com curiosa leveza nos motores da geladeira. E tudo aquilo, aliás, fazia Júlio pensar em aviões.
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